O Brasil é o país onde os
profissionais mais recusam ofertas de trabalho. Entenda por que isso acontece e
quais critérios deveriam pautar essa decisão. Os brasileiros são os profissionais
que mais recusam propostas de trabalho. Foi o que revelou uma pesquisa da
empresa de recrutamento Robert Half com 1.000 diretores de RH em oito países. De acordo com o estudo, 63% dos RHs
afirmam que, no Brasil, as pessoas estão mais propensas a declinar as ofertas
de emprego que recebem. A título de comparação, em outros países,
como a Itália, esse índice não passa de 20%.
O dado é confirmado por outro
levantamento, da consultoria de recrutamento Page Personnel, segundo o qual um
em cada quatro candidatos brasileiros rejeita propostas de emprego em processos
seletivos. Os profissionais que mais dizem “não” são analistas e coordenadores
das áreas de TI, finanças e engenharia,
Por trás da atitude mais seletiva
dos brasileiros está o quadro de escassez de mão de obra qualificada e de
pleno emprego do país, realidade há alguns anos. “Hoje é o profissional quem
escolhe o trabalho.
Antes, participar de um processo
seletivo era um compromisso sério. E funciona como um test drive para o
candidato decidir o que irá fazer”, diz Wilson Amorim, professor da Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
O alto número de negativas por
parte das pessoas na hora de avaliar uma nova proposta mostra que elas estão
mais exigentes. “A proposta da concorrência terá de ser muito desafiadora e
interessante para convencê-las a mudar, principalmente se forem funcionários de
multinacionais”, afirma Wilson. E a tendência é que este cenário perdure.
“O mercado tem pressa e
prefere contratar alguém já pronto, o que aumenta o assédio sobre os profissionais
qualificados, que têm maior possibilidade de escolha”, diz James Wright,
coordenador do Programa de Estudos do Futuro (Profuturo), da Fundação Instituto
de Administração (FIA).
Para Roberto Picino, diretor
executivo da Page Personnel, aceitar ou não um emprego é uma decisão pessoal,
mas o que vem chamando a atenção dos recrutadores, segundo ele, é a rejeição da
oferta praticamente na hora de assinar o contrato com o novo patrão, após três
ou quatro semanas de negociações. “Não há nada de errado em negociar, porém
existe o momento certo de fazer isso. E não é na hora da contratação”, diz
Roberto.
A negativa tardia reflete o impacto
de uma prática que tem se tornado comum nas empresas brasileiras, a fim de não
perder seu pessoal para a concorrência — a contraproposta. De acordo com a
Robert Half, 74% dos empregadores do país recorrem a essa medida emergencial de
retenção — sendo que um em cada cinco admite que sempre faz uso da
contraproposta.
O mesmo não acontece em outras
partes do mundo. “Em muitos países da Europa, se o funcionário recebe uma
oferta da concorrência, a empresa diz: ‘Pode ir, eu não consigo segurá-lo’. No
exterior, por causa da crise, há muita mão de obra disponível e é fácil substituir
quem saiu por uma pessoa com a mesma formação, disposta a receber o mesmo
salário.
No Brasil, sai mais barato para a
empresa fazer uma contraproposta do que formar outra pessoa desde o começo”,
afirma Danilo Hakayama, gerente da divisão de finanças e contabilidade da
Robert Half, uma das áreas com maior disputa por profissionais qualificados.
E a medida tem funcionado. Ainda de
acordo com o levantamento da Robert Half, a contraproposta é a maior razão para
os executivos brasileiros declinarem uma oferta de trabalho, respondendo por
quase 30% das justificativas.
Empresas conhecidas por formar
profissionais, como a Whirlpool, ou com expertise em nichos novos do
mercado, como Locaweb e Netshoes, são algumas das que têm tido de lidar com os
convites frequentes a seus profissionais. Foi o que percebeu Cássio Scozzafave,
de 28 anos, analista sênior de marketing de produtos na Locaweb.
O analista está na empresa há oito
meses e, desde então, recebe pelo menos uma oferta por mês para mudar de
emprego. “Assim que atualizei meu novo status no LinkedIn, o assédio foi
brutal. Não esperava por isso”, diz. As ofertas, especialmente dos concorrentes
diretos, envolvem aumento salarial entre 10% e 40%. Pelo menos por enquanto, as
propostas têm sido recusadas.
“Estou no emprego há menos de um
ano, mas percebo que aqui tenho suporte para chegar aonde desejo”, afirma.
“Formamos profissionais em um mercado inovador, a internet, e por isso eles são
tão assediados. Ainda assim, não temos um turnover alto”, diz Cláudia
Ajbeszyc, gerente de recursos humanos da Locaweb.
Ela admite que, em alguns casos, a
contraproposta se faz necessária, mas diz que a empresa prefere apostar em uma
estratégia de longo prazo para manter seu quadro. “Fazemos vários programas
motivacionais e temos uma política de gestão de carreira bem transparente, que
mostra onde o funcionário está, aonde ele pode chegar e como fazer isso”, afirma
Cláudia.
Na Whirlpool, a estratégia de
retenção passa pela demonstração constante de que os talentos e os
profissionais de alto desempenho são observados e recompensados. Andrea
Clemente, diretora de RH da Whirlpool Latin America, explica que, a cada ano, o
funcionário recebe um feedback completo desse período.
“Isso inclui metas, avaliações e
revisão de remuneração. Além disso, mais de 70% de nossos executivos são
pessoas da casa. Saber que há uma carreira promissora para nossos gerentes e
analistas é um fator que os mantém motivados a permanecer”, diz Andrea.
Um dos empregados com quem a
estratégia tem funcionado é o engenheiro de produção Renato Cerri, de 43 anos.
Promovido a diretor de manufatura da Whirlpool em 2012, ele conta que, desde
que se tornou gerente da companhia, em 2007, recebe em média seis propostas de
trabalho por ano, tanto externas quanto internas.
De acordo com Renato, a decisão de
permanecer na companhia deve-se ao fato de ele conseguir enxergar
possibilidades de crescimento dentro da instituição. “O que me faz ficar é a
formação que recebo, o espaço para desenvolver minhas capacidades e a prontidão
em receber ferramentas para desenvolvê-las”, afirma o engenheiro.
Planejamento de carreira
Para quem tem de avaliar se aceita
ou não uma oferta de trabalho, vale lembrar que, apesar de sedutoras, as
contrapropostas podem representar armadilhas profissionais no médio prazo.
Outros levantamentos feitos pela Robert Half mostram que os funcionários que
aderem a elas acabam deixando a empresa, voluntariamente ou não, após um
período médio de um ano.
“Quando a contraproposta é muito
interessante financeiramente, as pessoas acabam esquecendo os reais motivos que
as levaram a sondar o mercado, como relacionamento ruim com a chefia, falta de
tempo para a vida pessoal, pressão ou falta de oportunidade de crescimento”,
diz Danilo, da Robert Half.
Essas questões fatalmente
continuarão a incomodar, apesar do aumento no contracheque. “Quem pensa só no
agora, no dinheiro, pode acabar entrando em uma armadilha”, afirma Silvio
Celestino, sócio da Alliance Coaching.
De acordo com os especialistas em
carreira, a decisão de dizer “sim” ou “não” a uma oferta de trabalho deve ser
baseada num planejamento profissional de longo prazo, levando em conta o que se
projeta para um, cinco e até dez anos.
“Parece que a gente insiste demais
nessa coisa de autoconhecimento, mas isso é necessário para evitar decisões
tomadas por impulso, pensando apenas no status de algum cargo ou no salário
maior”, afirma a consultora Vicky Bloch, de São Paulo
Retirado de: http://exame.abril.com.br/revista-voce-sa/edicoes/194/noticias/por-que-eles-dizem-nao