Pesquisa revela que mentimos mais no
trabalho do que em casa. Receio de conflitos e falta de diálogo são alguns dos
motivos
Você
está em casa quando o telefone toca e, do outro lado da linha, um pesquisador
pede que você jogue uma moeda para o alto e lhe diga qual foi o resultado, com
uma proposta: se der coroa, você ganha 15 euros.
Se você
participasse da pesquisa e a moeda desse cara, você diria a verdade? Num estudo
realizado em 2012 pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, em parceria com a
Universidade de Bonn, na Alemanha, mais da metade dos 658 entrevistados (56%)
foi honesta, disse que deu cara e ficou sem o prêmio.
A conclusão foi comparada a um estudo semelhante, feito em 2008 na
Universidade de Konstanz, também da Alemanha. O experimento era o mesmo, mas os
entrevistados estavam em laboratórios, e não em casa.
Nessa análise, 75% dos participantes declararam que o resultado
havia sido coroa, garantindo assim o seu bônus — um número que chama a atenção,
partindo da premissa de que o resultado deveria ser próximo de 50% para cada
lado da moeda.
Comparando os dois estudos, os pesquisadores sugerem que as
pessoas mentem mais no trabalho do que em casa. "No ambiente doméstico, um comportamento imoral é
mais ameaçador para a concepção de honestidade que a pessoa tem de si.
No trabalho, o funcionário inventa mais desculpas", diz o
alemão Johannes Abeler, economista comportamental da Universidade de Oxford, um
dos pesquisadores que conduziu o estudo.
Para
ele, apesar de os experimentos terem sido realizados na Alemanha, as conclusões
são amplas e podem ser aplicadas, inclusive, aos brasileiros. "As
conclusões têm mais a ver com os ambientes doméstico e profissional do que com
questões culturais", diz o professor Johannes.
Cada
país, porém, tem a sua cultura profissional, modelada pela história do trabalho
e pelo comportamento dos profissionais. Para Alfredo Behrens, professor de
liderança na Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo, no Brasil
a falta de liberdade nas empresas até induz os trabalhadores a serem
desonestos.
"Herdamos
da cultura ibérica uma sociedade extremamente hierárquica, em que os
funcionários têm medo de dialogar com os chefes e
acabam mentindo", afirma Alfredo. O professor organizou uma pesquisa com
173 profissionais brasileiros, perguntando se eles podem dizer o que pensam no
trabalho.
Algumas companhias
perceberam os prejuízos da falta de diálogo e das mentiras. No Imovelweb, site
brasileiro de anúncios imobiliários que pertence ao fundo Tiger Global,
acionista também da Decolar e da Netshoes, a solução foi criar espaços sem
paredes nem divisórias e desenvolver uma cultura de responsabilidade e de busca
pela informação.
O objetivo é que funcionários se sintam à vontade para falar com
gestores, e vice-versa. “As pessoas geralmente mentem para adiar entregas, mas
conseguimos descobrir a verdade perguntando com insistência o porquê dos
prazos”, diz Roberto Nascimento, presidente do Imovelweb.
Outra causa das mentiras é a vontade de evitar conflitos para
conservar bons relacionamentos. "Quem cresce em um ambiente que favorece a
mentira se torna mentiroso", diz Gutemberg de Macêdo, presidente da
Gutemberg Consultores, especializada em coaching e recolocação de executivos,
de São Paulo.
A empresária americana Pamela Meyer contratou uma assistente para
auxiliar na gestão do Manhattan Studios, sua consultoria. Um dia, Pamela
decidiu revisar a contabilidade e percebeu que as contas não fechavam — a
assistente havia comprado um computador com seu cartão de crédito e desviado
dinheiro.
Em 2011, Pamela lançou o livro Liespotting ("Detectando
mentiras", em tradução livre), no qual ensina a identificar desonestidades
e revela números surpreendentes, como o fato de pessoas mentirem 200 vezes
por dia. "A mentira mais comum é a omissão, e os líderes tendem a mentir
mais e de forma mais persistente", diz Pamela.
É claro que, em alguns momentos, mentir é inevitável e inofensivo.
"Existe uma convenção social de coisas que não devem ser ditas,
principalmente para um chefe", diz Marcelo Afonso Ribeiro, professor do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Mas lembre-se do estudo: mentimos menos em casa porque é onde
fazemos questão de ser verdadeiros. Se a mentira profissional está incomodando,
procure um trabalho que faça você se sentir em casa. De verdade.