Hábito primitivo de procrastinar
A ciência mostra que procrastinar
faz parte da natureza humana. Mas há maneiras de lutar contra esse hábito
primitivo e terminar o trabalho no prazo. Um estudo da Universidade do
Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos, publicado em fevereiro de 2014,
mostrou pela primeira vez na história que o hábito de adiar pode ter um
componente genético. A notícia trouxe algum conforto para procrastinadores compulsivos,
que agora podem dividir com os pais a culpa pelo mau comportamento.
Mas o grande mérito dos
pesquisadores foi mostrar que esse terrível inimigo do trabalho foi aprimorado
dentro de nosso DNA ao longo de milhões de anos e que não podemos nos
livrar dele tão facilmente quanto pensávamos. A pergunta-chave sobre o hábito
de atrasar agora mudou: se deixar para depois faz parte da natureza humana,
como podemos enfrentar a leseira e concluir nosso serviço no prazo?
De uma perspectiva da evolução
humana, a procrastinação seria um subproduto da impulsividade. Os pesquisadores
da Universidade do Colorado identificaram que um mesmo gene define as duas
coisas. Para o homem primitivo, fazer planos de longo prazo não era tão
importante quanto saciar as necessidades básicas e instantâneas de
sobrevivência.
Cuidar do que acontecia no
presente era muito mais importante do que pensar no futuro. Desse modo, o homem
desenvolveu o instinto de reagir a estímulos imediatos mudando o foco de sua
atenção. Dessa natureza surge a chave de cada adiamento: a pessoa perde a concentração na
atividade que está fazendo para se preocupar com uma perturbação momentânea. O
urgente supera o importante.
A vida moderna é mais
bem-adaptada a metas de longo prazo. A maioria das pessoas não precisa mais
caçar o alimento diariamente. Mas as tendências impulsivas ainda estão
presentes e o mundo é um lugar lotado de pessoas, eventos e aparelhos que
drenam a atenção de qualquer profissional.
“O grande problema é quando o
adiamento prejudica a carreira, o trabalho ou os relacionamentos”, afirma
o consultor Christian Barbosa, especialista em gestão do tempo, de São
Paulo. Em casos extremos, a incapacidade de cumprir compromissos no prazo
estabelecido leva a pessoa a perder oportunidades de crescimento e a ser taxada
de incompetente ou preguiçosa.
Mas há diferenças entre a
preguiça e o adiamento. A primeira é a falta de vontade de fazer uma tarefa. Já
a procrastinação é um atraso irracional de uma ação pretendida, na definição do
psicólogo Piers Steel, da Universidade de Calgary, no Canadá, autor de estudos
sobre o assunto e do livro A Equação de Deixar para Depois (Editora
Best Seller, 2012, 35 reais). O procrastinador quer cumprir a tarefa, mas por
algum motivo não consegue.
De acordo com Piers, a maioria
dos adiadores vive culpada, tensa, estressada, ansiosa e com baixa autoestima
por não conseguir se programar direito para fazer as coisas com antecedência,
como imagina que os outros colegas de trabalho façam. Após anos de estudo, o
pesquisador canadense identificou três grandes elementos que determinam a
procrastinação.
“De longe, os principais motivos
pelos quais adiamos as coisas são falta de confiança, achar a tarefa chata ou
pouco prazerosa e a distração provocada pela impulsividade”, afirma Piers. O
último item ajuda a entender por que uma pessoa pode se desviar até de coisas
que gosta de fazer.
A ideia de que a maturidade ajuda
a combater a procrastinação é apenas parcialmente verdadeira. Um profissional
experiente pode ter aprendido a controlar distrações de modo a se manter focado
no serviço, mas isso nunca será completamente verdade.
“Todo mundo tem suas armadilhas,
e isso vale tanto para o estagiário quanto para o presidente”, diz o headhunter
André Caldeira, diretor da Proposito, empresa de seleção de executivos de
Curitiba, que entrevistou vários gestores sobre o assunto.
O papel de cada um
Cada pessoa tem um padrão próprio
para deixar as coisas para depois. Não há como afirmar categoricamente que
alguém está procrastinando, só é possível suspeitar. Há situações em que um
procrastinador diz que a inércia é uma escolha racional.
“Uns trabalham menos para passar
mais tempo com a família. Mas isso depende dos valores de cada um. O único que
pode afirmar com certeza se está adiando ou não é o procrastinador”, diz
Piers. Agora que já ficou claro que todo mundo adia seus compromissos de alguma
maneira, está na hora de controlar os instintos para viver menos tenso.
Retirado de: http://exame.abril.com.br/revista-voce-sa/edicoes/193/noticias/controle-os-ponteiros